Um dos temas que mais tira o sono de empresários e executivos está em uma
portaria interna da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que
orienta os procuradores quanto aos processos que redirecionam dívidas
tributárias de empresas para sócios e administradores. A Portaria nº180,
publicada no dia 25 de fevereiro, traz em seis artigos procedimentos que
devem ser seguidos pelos cerca de dois mil procuradores da Fazenda em ações
dessa natureza.
A portaria da PGFN determina, basicamente, a fundamentação dos motivos para
o redirecionamento da dívida, baseada no que prevê o Código Tributário
Nacional (CTN). O que é bem-visto por tributaristas. No entanto, há dois
dispositivos da orientação que são criticados.
Um deles é o artigo 3º da orientação, que trata do artigo 13 da Lei nº
8.620, de 1993. O dispositivo foi revogado no ano passado pela Lei nº
11.941. A norma de 1993 permitia que os titulares de firmas individuais e os
sócios das empresas limitadas respondessem solidariamente, com seus bens
pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. A PGFN orienta que os
procuradores continuem a cobrar, com base no artigo revogado, os débitos
anteriores à nova legislação. Para o advogado Julio de Oliveira, do Machado
Associados, essa orientação não faz sentido. Isso porque o artigo que trata
da questão já foi revogado e existia até mesmo uma ação direta de
inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) que a
questionava.
O advogado Marcelo Knopfelmacher, do Knopfelmacher Advogados, acrescenta não
ser possível aplicar o entendimento da procuradoria, pois a Lei nº 11.941,
de 2009, veio corrigir falhas da legislação anterior. Para a advogada Maria
Rita Lunardelli, sócia da Advocacia Lunardelli, a medida fere o artigo 106
do CTN, que lista as situações em que uma nova norma pode ser aplicada a
fatos passados.
O procurador-geral adjunto da PGFN, Fabrício Da Soller, porém, afirma não
existir regra no direito tributário pela qual uma lei nova seria aplicável
ao passado. Segundo ele, as leis têm vigência para o futuro. A única
exceção, diz, estaria no artigo 106. Neste caso, porém, a possibilidade
seria válida apenas para penalidades. "A solidariedade e a infração penal,
como a multa, são institutos diferentes", diz Da Soller.
Outra crítica dos advogados é para o artigo 2º da portaria, que prevê a
inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa (CDA) da União
nas situações previstas no CTN. Para alguns advogados, essa inclusão só
poderia ocorrer após um processo administrativo em que ficasse comprovado
que os administradores agiram contra a lei, por exemplo. "A inclusão na CDA
tem que ocorrer após o processo administrativo", afirma a advogada Maria
Rita.
Outro aspecto do mesmo dispositivo que preocupa tributaristas é a previsão
da inclusão do responsável solidário a partir de uma declaração fundamentada
da Receita Federal ou da PGFN. Para o advogado Maurício Pereira Faro, do
escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, a medida seria insuficiente
para incluir o sócio na ação. "São necessárias provas concretas para isso",
diz.
Da Soller afirma que o administrador pode ser incluído no lançamento do auto
de infração. Mas existindo a comprovação de alguma das situações previstas
no artigo 135 do CTN, não haveria nada para impedir o lançamento na CDA -
momento posterior ao auto de infração.
A responsabilização pessoal de sócios e dirigentes de empresas é autorizada
pelo CTN nas situações listadas no artigo 135, tais como infração de lei ou
excesso de poderes. Se a empresa não arca com seus débitos, o administrador
pode responder com seus bens se tiver agido contra a lei, por exemplo. A
interpretação e a aplicação dessas possibilidades, porém, é motivo de
inúmeras divergências entre a Fazenda e contribuintes, presentes nas
discussões que chegam ao Judiciário. Por um lado, os contribuintes alegam
que a União não segue à risca o que prevê o CTN e muitas vezes inclui nome
de ex-sócios e ex-dirigentes que não fazem parte mais da companhia e não
tiveram participação no crédito tributário discutido. "Tenho um cliente que
não faz mais parte de uma empresa, e na época não tinha poder de gerência e
está respondendo por débitos da companhia, constituídos após a sua saída",
afirma Luiz Rogério Sawaya, do Nunes e Sawaya Advogados. A Fazenda, no
entanto, afirma que cumpre as previsões legais.
Fonte: Valor Econômico
Zínia Baeta e Adriana Aguiar, de São Paulo 02/03/2010
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